Comemorar a visibilidade transexual e travesti por apenas um dia não é o suficiente. E a vivência da professora da rede municipal de ensino de São Vicente, Paloma Mello, é um exemplo disso.
Exercendo sua profissão no país que lidera o ranking mundial de homicídios da comunidade “T”, a educadora de 44 anos vem mudando a vida de diversos alunos da rede pública através de seu trabalho, com uma didática voltada à inclusão.
Paloma atua na área de Educação Especial do Município, dando assistência para crianças e adolescentes com transtornos mentais, transtorno do espectro autista (TEA), déficit cognitivo e paralisia cerebral.
“Por conta de suas necessidades, esses alunos apresentam um desvio padrão do coletivo. Existe uma diferença de compreensão na forma de ensinar, além de muitos terem dificuldade de socializar e se enturmar. Meu trabalho é fazer com que esses jovens possam concluir sua carreira e trajetória educacional, dentro do coletivo escolar.”
Segundo a professora, é impossível contar quantos alunos ela conseguiu auxiliar durante seus 22 anos de carreira, 11 deles trabalhando em São Vicente. Mas ela se recorda com carinho de um caso específico.
“Conheci um adolescente com déficit cognitivo acentuado em uma das escolas que trabalhei. Ele apresentava crises e problemas de transtorno de conduta, e através da minha recomendação, ele começou a trabalhar num projeto chamado “Jovem Professor”. Atuando nessa atividade, o estudante começou a entrar nas salas de aula e ajudar as crianças pequenas no ambiente escolar, o que fez com que ele se sentisse pertencente e útil naquele espaço, minimizando as crises que tinha.”
Além dos estudantes vicentinos, a existência de Paloma no mercado profissional se tornou referência para a comunidade transexual e travesti da região.
“Eu represento todas ali dentro do processo educacional que estou inserida. Elas sabem que eu estou ocupando aquele espaço e sei que aquele espaço é importante para todas.”
Luta diária
Infelizmente, a realidade da educadora é uma exceção entre as características de vida da comunidade.Segundo o 1º Mapeamento de Pessoas Trans da Cidade de São Paulo, estudo realizado pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Capital Paulista, mais da metade da população trans e travesti não está apta para o ingresso no mercado de trabalho.
Mesmo estando na área por mais de 20 anos, a batalha para quebrar o estigma negativo em cima da identidade de gênero dentro da área de trabalho é diária.
“Os transexuais e travestis foram estigmatizados durante muito tempo como pessoas com desvio de comportamento e conduta. E hoje eu mostro para a sociedade que conquistar esse espaço [como uma mulher trans] é possível.”
Além de abrir caminho para pessoas LGBTQIA , Paloma conta que já desmistificou alguns pensamentos negativos de seus colegas de trabalho.
“Já recebi olhares diferenciados e comentários estranhos dentro da sala dos professores, mas eu persisti e mostrei que sou mais uma profissional ali. Eu nunca tive privilégios, meus direitos foram todos garantidos legalmente e exerço um cargo dentro do meu direito como cidadã. Passei no concurso público e sigo os mesmos critérios que todos os demais aprovados.”
A educadora acredita que, por conhecer o preconceito, trabalha para o mesmo não ser aplicado na vida de seus alunos.
“Pela minha história, eu me coloco no lugar delas, pois passei pela mesma violência, de maneira diferente.”
Um novo tempo
Mesmo com tanta violência inserida no contexto das vidas trans, Paloma crê que as coisas estão evoluindo para o melhor.
“É a primeira vez que eu vejo um olhar de interesse sobre a temática. Estamos num momento social que está aberto para essas escutas e me senti muito honrada.”
No ano passado, a professora da rede pública conheceu a vice-prefeita Sandra Conti em uma reunião na Subprefeitura. A pauta discutida foi a inclusão de adolescentes com deficiência. No decorrer da conversa, Paloma se identificou como mulher transexual e outras portas se abriram.
“Me senti à vontade de falar com ela e a Sandra acolheu minha história enquanto mulher trans, acolheu a pauta e reconheceu a importância, de uma forma sensível e humanizada.”
Desde então, Paloma mantém contato com a vice-prefeita, com a intenção de desenvolver projetos, tanto para estudantes especiais da rede pública como para a comunidade LGBTQIA do Município.
O futuro ideal, que visibiliza e pensa em transexuais e travestis, já está em construção na Cidade de São Vicente. Entretanto, para que todas as pessoas “T” tenham a mesma oportunidade que Paloma, o restante da sociedade precisa agir junto.
“A mensagem que eu passo para frente é a seguinte: Deem oportunidades para esses corpos através de convites de empregabilidade, estágios e cursos. Só assim, transexuais e travestis vão poder mostrar seus talentos. E acredite, temos muito! Apenas são desperdiçados, pois ainda é uma população que não é vista”, pede a educadora, para que ofereçam a mesma oportunidade que deram a ela.