Solange Freitas é mãe, professora, jornalista, bacharel em direito e foi candidata em 2020 à prefeita de São Vicente, onde obteve mais de 70.500 votos no segundo turno. Agora, ela se prepara para um novo desafio: é pré-candidata a deputada estadual.
Em visita ao Jornal Vicentino, ela contou sobre sua história que passa pela criança estudiosa, sempre apoiada pelos pais, pelo magistério e o jornalismo, onde ficou conhecida como uma repórter combativa na região. Solange explica a entrada na política, quando participou de uma turbulenta disputa eleitoral. No ano passado assumiu um cargo no Governo do Estado para fazer interlocução com as prefeituras na busca de recursos para a Baixada e também preparou um projeto político.
Confira na entrevista:
JV – Conta um pouco sobre sua infância e a família.
Solange – Nasci em Santos, vivi nos bairros Macuco e Estuário. Era uma criança tímida e muito estudiosa, ia bem na escola. Estudei da 1ª série até o 1º ano do Colegial no Liceu Santista, quando fui para o Colégio do Carmo fazer o magistério. Tanto minha mãe, quanto meu pai, que era trabalhador do Porto, sempre priorizavam no seu salário os meus estudos e dos meus irmãos.
JV – Quando veio a decisão de se tornar professora?
Solange – Quando eu era criança, sempre que me perguntavam o que eu queria ser, eu respondia: professora e jornalista. Consegui realizar meus dois sonhos. Quando eu estava no terceiro, dos quatro anos de magistério, minha mãe, mesmo doente, hospitalizada, com leucemia, me incentivou a fazer o vestibular de jornalismo. Ela morreu e, logo depois, eu fui aprovada para a faculdade.
JV – Como foi o impacto na sua vida de perder a mãe tão cedo?
Solange – Nesse período, eu estudava de manhã no magistério, fazia estágio à tarde e a faculdade de jornalismo à noite. Foi uma loucura, mas que foi importante para preencher meu tempo por ter perdido minha mãe, aos 17 anos. A vida vira de cabeça para baixo, parece que fica um buraco no seu coração. Tive que aprender muitas coisas, como cozinhar, porque tinha dois irmãos menores, mas sempre com a ajuda do meu pai, mesmo ele trabalhando bastante.
JV- Em que momento você se torna professora. Como foi esse período?
Solange – Eu ainda fazia faculdade de jornalismo e fui ser professora no Colégio Afonso Pena, onde dei aula por dois anos e meio para alunos de 8 e 9 anos. Amava dar aulas, era super dedicada e sempre exigia deles de uma forma boa, porque já sabia que a educação era primordial na vida. A gente também aprende com as crianças e é muito prazeroso vê-las se dedicando.
JV – Como foi o início da sua trajetória como jornalista?
Solange – Comecei na TV Litoral, hoje TV Santa Cecília, onde trabalhei por dois anos e meio e fiz de tudo. Fui repórter, apresentadora, editora, diretora de TV, operadora de áudio e de caracteres. Só não fui cinegrafista. Acabei saindo da TV para ter meu filho. Depois passei pela TV Brasil, Band, Tri TV, quando fui para a TV Tribuna e fiquei por 15 anos. Nesse meio tempo também fiquei quatro anos na Rádio Jovem Pan.
JV – Essa decisão de interromper a carreira para ser mãe foi fácil ?
Solange – Eu tinha 23 anos e decidi, junto com o meu marido, parar de trabalhar para cuidar do meu filho. Foi durante um ano e sete meses. A gente sente falta do trabalho, perdemos também rendimento dentro de casa, mas foi um momento importante na minha vida de dedicação total a ele.
JV – Sempre preferiu trabalhar com televisão?
Solange – Minha vida inteira foi trabalhando com televisão e eu amava. E já que tinha que trabalhar, eu não queria apenas dar a notícia, eu queria com meu trabalho ajudar as pessoas. Por isso eu era meio “cricri”. Eu sentia vontade de ajudar as pessoas das comunidades, nem que fosse com uma matéria de buraco na rua. Porque se você conseguisse ajudar, era muito gratificante.
JV – Quando você se transforma na jornalista incisiva, que virou uma marca sua como repórter?
Solange – Na verdade, eu sempre fui desse jeito. Eu vi reportagens minhas na TV Litoral, em 1992, cobrando autoridades sobre um canal da Quintino Bocaiúva, em São Vicente. Matéria que fiz também nas outras emissoras, porque o problema se repetia. Na época, o prefeito era o (Antônio Fernando dos) Reis e eu já ficava na porta da Prefeitura e falava: “mais uma vez o prefeito não está na Prefeitura”. Então sempre tive esse espírito para lidar com as coisas e fazer a cobrança. E as pessoas se sentiam representadas, sempre dizendo que viam a indignação na minha cara, falando que minhas perguntas eram o que a população queria saber e que eu não aceitava qualquer resposta.
JV – Quais as grandes matérias ou coberturas que te marcaram?
Solange – As de grande repercussão foram a do incêndio na Ultracargo, que durou nove dias, e eu acompanhei desde o início. O caso do jet ski que atropelou a menina Grazielly, em Bertioga, que foi minha primeira matéria no Jornal Nacional. E dali por diante eu virei repórter da rede. O acidente na Imigrantes com mais de 300 veículos. Chegamos lá e a imagem era impressionante . Incêndios, um carro em cima do outro, a névoa, até encontrar um caminhoneiro morto. Parecia cena de filme. As inúmeras enchentes em Santos, São Vicente, com pessoas perdendo tudo. Em Itaóca, no Vale do Ribeiro, onde um bairro inteiro acabou sendo dizimado, 27 pessoas morreram. Minhas últimas grandes reportagens foram da tragédia com as fortes chuvas na Região. Eu fiquei em Guarujá, local mais atingido, durante duas semanas na busca por pessoas soterradas, com os familiares acompanhando ao lado, na esperança de encontrar alguém vivo, e infelizmente não tinha. É muito duro você acompanhar todo esse sofrimento.
JV – Em relação a cobertura na Ponte dos Barreiros. Te marcou muito ?
Solange – Na verdade, foi a gota d’água para eu aceitar o desafio na política. Ela foi fechada após uma reportagem que eu fiz, mostrando o laudo do IPT, que dizia que o risco dela cair estava no grau máximo. Não queria dizer que seria no dia seguinte, nem no mês ou ano, mas era o grau máximo. E ninguém falava disso. Foi uma grande repercussão e em dois dias o juiz mandou fechar a ponte. Acompanhamos diariamente o sofrimento das pessoas atravessando. Ninguém contou, nós vimos muitas pessoas, idosas, desmaiando. Foi muito triste e mais ainda por saber que foi fruto de um descaso de todas as administrações que passaram pela Cidade.
JV – Como é receber o carinho das pessoas na rua te reconhecendo como repórter?
Solange – Era maravilhoso. Elas sentiam que alguém estava dando voz e lutando por elas. Eu dava meu whatsapp para todo mundo, porque como jornalista eu sei que a melhor reportagem vem de quem está na comunidade. Fazer oba-oba para Prefeitura é fácil, mas era preciso conversar com quem está sofrendo todos os dias, sem saúde, sem educação. Então vinham deles minhas reportagens. Eles me chamavam, eu oferecia para a emissora e na maioria das vezes eles topavam.
JV – De onde veio a vontade de fazer Direito ainda como jornalista?
Solange – A sugestão foi de um amigo porque ele via que eu adorava ficar assistindo, durante as matérias, o júri popular. Vendo como os advogados falavam, acusavam e defendiam. Decidi fazer porque ia me ajudar muito no jornalismo. E amei fazer, me abriu a cabeça, meu deu muita noção. Você não precisa decorar as leis e sim entender como vai buscar seus direitos no meio de tantas. O Direito causou também parte da minha indignação quando decidi entrar para a política. Quando você começa a entender tantos casos de bandidos, como assassinos, traficantes e corruptos, que estão livres, como a lei é permissiva, e como você consegue muitas coisas com dinheiro e um bom advogado.
JV – Como aconteceu sua decisão de entrar para a política?
Solange – Eu sempre fui convidada, mas sempre disse não. Eu tinha uma imagem muito ruim da política pela forma que muitos falavam e enrolavam. O caso da Ponte dos Barreiros chamou atenção de muitos políticos em São Vicente, comecei a receber convites e pela primeira vez comecei a ouvir as propostas. Família, amigos, colegas de profissão, todos eram contra, mas eu decidi aceitar. Quando eles viram que eu estava trocando o certo, a profissão que amava, pela política, todos passaram a me apoiar.
JV – Sua campanha foi marcada por muitas turbulências. Pensou em desistir?
Solange – Em nenhum momento, mas era o que meus adversários queriam. Antes de eu entrar no processo eleitoral, eu ouvi que seria massacrada e aceitei. Mas não imaginava que sofreria um atentado, que tentariam me incriminar, fake news todos os dias nas redes sociais. Entrei em um cenário de um prefeito buscando reeleição, um candidato que estava há muito tempo se preparando, e mais cinco. Além disso, turbulências como o salve dado por uma organização criminosa que me impedia de entrar nas comunidades, a pandemia e a preocupação com as pessoas. Mas se a gente desiste, damos espaço para aqueles que não querem fazer da forma correta. Não fui eleita, mas receber todo carinho que recebi, não tem preço que pague.
JV – Depois disso, chegou a se arrepender de ter entrado na política?
Solange – Em nenhum momento me arrependi. Precisamos seguir em frente. Quando olho para a reportagem, que fiz durante 30 anos, tenho uma saudade gostosa de tudo que vivi, mas passou. Virei a chave na cabeça e no coração. Na política podemos ajudar, dar voz às pessoas dentro das comunidades e é lá onde o Poder Público mais falha. Então não me lamentei, aceitei e segui.
JV – Como foi este período exercendo um cargo dentro do Governo do Estado?
Solange – Assumi a função de subsecretária de Assuntos Metropolitanos e pude fazer um trabalho de aproximação do Estado com as prefeituras e as comunidades. Nesse quase um ano, conheci muitas entidades e fui uma das pessoas que conseguiu articular nos bastidores muitas verbas que foram liberadas. E isso não tem preço. Nesse tempo também fui conversando com muita gente e montando um projeto político.
JV – Sentiu dificuldade por ser mulher na política?
Solange – Muita. Na política o machismo impera e quando chega uma mulher que disputa uma eleição, vai para o segundo turno e desponta como uma liderança na Baixada Santista, sofre bastante preconceito. Em São Vicente tivemos três candidatas a prefeita, nenhuma eleita, não temos vereadoras e há muitos anos a Câmara não tem representação feminina. Isso porque a política em São Vicente é machista e muito difícil. Não é porque mulher é sexo frágil. É porque sofrem muito, com ataques absurdos e nem todas conseguem suportar isso.
JV – Você ficou em segundo lugar nas eleições para Prefeitura. Como tem feito o trabalho de oposição?
Solange – Sou oposição, mas não gosto de atacar por atacar, criticar por criticar, quando não concordo com o que o Governo faz. Eu só me manifesto nas redes sociais quando as pessoas me pedem e eu me posiciono. Mas você não vai me ver esculhambando ninguém. Vai me ver me posicionando e dando voz a população. Lutei para conseguir verbas para saúde, para drenagem, para a alça de acesso na Náutica. Fui eu que consegui? Não. Mas fui uma das pessoas que estava ali lutando e conseguiu. Então não é só acusar, é apontar e tentar ajudar. Hoje posso ajudar dessa maneira, amanhã de outra forma, sempre dando voz à população.
JV – Qual a diferença da Solange que entrou para disputar as eleições da Solange de agora?
Solange – Mudei. Você aprende que não pode pensar com o estômago, precisa ser muito racional. Quando entrei no processo eleitoral, nunca tinha me filiado a nenhum partido político. Eu achava que sabia como era a política, mas é bem pior do que eu imaginava. Nunca tinha sofrido violência física e psicológica. Sofri muito e aprendi muito com a dor. A dor te deixa mais cascudo, te ensina a hora de falar não, sim ou gritar. Hoje sou uma pessoa que já lutava, mas vou lutar mais pelas pessoas, principalmente pelas mulheres, que sofrem violência, não conseguem marcar um exame. Todas essas minhas bandeiras foram fortalecidas.
JV – Qual a importância da família durante toda essa trajetória?
Solange – Começou com eles. O investimento que meus pais me deram na educação foi muito importante. Fui casada por 23 anos, tenho um filho de 28 anos, dois irmãos, um pai, cunhadas, sobrinhas, uma família muito grande que me dá muito suporte. Deixei eles afastados durante o processo eleitoral. Sabia que seria difícil um pai, dois irmãos e um filho vendo eu ser atacada, com montagens, com coisas absurdas, mas eles foram muito parceiros e, mesmo longe fisicamente, recebi todo apoio que precisava.
JV – Como está sendo ser lembrada nas pesquisas eleitorais para as disputas deste ano?
Solange – Gratificante. Porque há mais de dois anos sai da televisão, dos holofotes, e a eleição já faz um ano e meio, e ser reconhecida e ver as pessoas falarem seu nome em toda Baixada Santista e no Vale do Ribeira, colocando esperança em você, me dá mais força e vontade de me preparar para os próximos desafios. E apesar das coisas ruins da campanha, tenho saudade de conversar, escutar as pessoas, felizes por ter uma mulher que saiu de uma carreira, de algo certo, para lutar por elas. Isso é gratificante.
JV – Você então disputará as eleições neste ano? Por qual partido?
Solange – Hoje eu sou pré-candidata a deputada estadual pelo União Brasil. Decidi sair do PSDB porque na campanha eu não consegui andar nas comunidades por causa de um salve de uma organização criminosa, isso me atrapalhou muito e não quero passar por isso. Recebi vários convites de partido, por ser mulher, ter obtido 70 mil votos, e escolhi o União Brasil por ser um partido novo, por ter a proposta que mais se encaixava com o que eu queria, por me darem condições de participar desse processo e me valorizarem. O convencimento deles junto com esse desafio de uma legenda nova, com novas ideias, me fizeram aceitar.
JV – Você ainda pretende lançar um livro esse ano?
Solange – Sim, quero lançar um livro. Tenho andando pelo Estado e quando converso com as pessoas, elas perguntam se eu sou a candidata que sofreu um atentado. Ficou essa imagem e quando eu conto tudo que aconteceu, elas ficam de boca aberta. Então quis escrever esse livro, para as pessoas saberem o que uma mulher jornalista passou nesse desafio de concorrer a Prefeitura de São Vicente, mexendo com grandões, enfrentando uma pandemia. Com uma leitura rápida, conto um pouco da minha história, dos bastidores das minhas reportagens, da minha virada para a política e de um inimigo que enfrentei depois de todo esse processo, que as pessoas não sabem e vou contar também.