Sabe aquele ditado que orienta a fazer de um limão uma limonada? Há 18 meses residindo em São Vicente, o venezuelano Jorge Luis Reyes Flores, de 31 anos, sentiu na pele o drama de se ver desempregado em um país desconhecido. Mas decidiu virar a mesa.
Após morar em um abrigo para refugiados, conseguir trabalho fixo e ser surpreendido pela pandemia que o deixou novamente desempregado, Jorge deu a volta por cima e, com a esposa Isabel Eugenia, buscou na culinária de sua pátria o caminho para o empreendedorismo, passando a produzir tequeños.
Iguaria ainda pouco conhecida entre nós brasileiros, trata-se de um delicioso salgado à base de farinha de trigo e queijo. Embora a massa semifolhada se assemelhe à de um mistinho, seu preparo não é assado, e sim frito. “Assim como no Brasil uma festa tem coxinha, lá dizemos que pode faltar o aniversariante, mas não pode faltar tequeño”, compara Jorge, em um português já bem dominado.
Em pouco tempo, estava criada e registrada a microempresa TQ Real, com produção toda feita em casa, e já expandindo para outras delícias, como os pastelitos, as empanadas e o papelón, bebida bem refrescante à base de rapadura e com o toque do limão.
Atualmente, o perfil da empresa no Instagram tem quase 5 mil seguidores. Entre os consumidores famosos que já provaram o cardápio da TQ Real está o jogador Soteldo, quando atuava no Santos FC.
MEIncontre no caminho – Como o casal Reyes sonha em alçar voos mais altos, o programa MEIncontre, anunciado em julho pela Prefeitura de São Vicente, surgiu como mais um caminho para expandir os negócios. A campanha da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Relações do Trabalho (Sedect) será lançada nesta quinta-feira (19) e tem o objetivo de promover microempreendedores individuais, ofertando uma vitrine no site oficial da Prefeitura, para divulgação de produtos e serviços. A TQ Real foi uma das primeiras a aderir à proposta.
Assim, além das redes sociais, dos aplicativos de delivery e do tradicional boca a boca, o MEIncontre surge como mais um canal de divulgação dos produtos venezuelanos do Jorge e da Isabel, e dos demais microempreendedores instalados na Cidade.
“É uma proposta maravilhosa, pois sem visibilidade um investimento não resiste. Por conta própria, fica mais difícil. Quando tem a possibilidade de uma vitrine, fica mais fácil atingir o público.”
O desejo de crescer, claro, é grande. “Temos como missão ser um legado positivo da migração venezuelana no mundo. Queremos ser referência na culinária aqui no Brasil”, revela Jorge. Para isso, ele prioriza três fatores: os clientes, os parceiros e os futuros funcionários que pretende ter. “Buscamos ter uma empresa que seja motivo de orgulho para nós e para os funcionários”.
As palavras do empreendedor são traduzidas pelo símbolo da sua microempresa: um elefante. A logomarca criada por ele mesmo representa o objetivo de ser grande (como é o maior mamífero terrestre), unir forças como ocorre em uma manada e contribuir no desenvolvimento econômico do Brasil. “Este é um país maravilhoso, que acolheu a mim e à minha família. Não tem sido fácil, mas somos resilientes”. Ao gosto brasileño – Originalmente, os tequeños têm exclusivamente recheio de queijo. Porém, o faro empreendedor levou Jorge a perceber que o paladar brasileiro pede uma diversificação de sabores. “Criamos outros dez recheios, de acordo com o gosto do freguês. Um negócio só se mantém, atendendo o que o cliente quer”. Conforme as vendas aumentaram, a necessidade de agilizar a produção levou o casal a investir em uma máquina. “No início esticávamos a massa com uma garrafa de vinho, o que era muito cansativo”, conta Isabel.
Rota para o sucesso – Natural de Aragua de Barcelona, pequena cidade com 21 mil habitantes, Jorge saiu da Venezuela há três anos, seguindo para o Brasil. Com a certeza de superar a situação adversa, ele é um dos mais de 50 mil compatriotas que seguiram para o nosso País.Deixou a esposa grávida e os dois filhos, com a esperança de reunir toda a família. Em princípio, ele e a imã moraram em um abrigo para refugiados, em São Paulo. Conseguiu, em pouco tempo, regularizar a sua situação e a oportunidade de emprego veio rapidamente, chegando a ser gerente em uma empresa de serviços.
Graduado em engenharia de sistemas, sete meses depois veio uma nova proposta de emprego, como supervisor em outra empresa especializada na montagem de móveis. Aceitando o desafio, seguiu para a filial de São Vicente, em fevereiro de 2020. Financeiramente estabilizado, trouxe a esposa e os filhos. O caçula já estava com cinco meses de vida. “Ficamos encantados com as praias daqui”, lembra Jorge.
O inesperado aconteceu em março, quando a pandemia pelo novo coronavírus chegou ao Brasil. A empresa manteve o quadro de funcionários por alguns meses, mas com a queda abrupta de movimento, a demissão foi inevitável.
Com dinheiro escasso e em um país pouco conhecido, a família se mudou para outra casa, no Parque Bitaru.
Distante 5.876 km de sua terra natal e sem perspectivas de um novo trabalho registrado, a esposa sugeriu que produzissem tequeños, mudando os planos do casal e iniciando uma possibilidade de empreendedorismo, que continua viva, com muito trabalho, planejamento e vontade de vencer.