Para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta terça-feira (8), você vai conhecer a história de seis profissionais que desbravaram fronteiras e atuam em áreas consideradas majoritariamente masculinas. São uma pequena demonstração de trabalhadoras de Santos que refletem o universo vivido por milhares de mulheres ao redor do mundo. Elas amam o que fazem, são pura dedicação e mostram que o desempenho de suas funções não depende de gênero.
A guarda civil municipal Thalita, a oficial de manutenção Cida, a policial militar Luise, a auxiliar operacional Ana Paula, a guarda-vidas Fernanda e a barista Cristy provam no seu dia a dia que o lugar da mulher é onde ela quiser.
LUISE MOSTRA FORÇA FEMININA NO TRABALHO POLICIAL
Há três anos atuando na polícia militar de Santos, a soldada Luise Roberta dos Santos Silva, 31 anos, não poderia estar mais orgulhosa da sua profissão. Ela, que antes era vendedora, sempre admirou, de longe, os valores da corporação. “Eu queria participar do bem que eles fazem para a sociedade, mas como morava em periferia, achava que seria algo acessível apenas para classes mais altas”.
Com o tempo, Luise percebeu que tudo dependia do seu próprio esforço, não importava a classe social à qual pertencia ou as críticas que recebia em relação a sua escolha. “Eu ouvia que não era um emprego para mulher, mas sim para homem, e que eu não iria conseguir. E no fim, consegui!”, comemorou. Para ela, “todas as mulheres são capazes de trabalhar em qualquer emprego”.
A família e os amigos de Luise concordam. “Algumas pessoas desencorajaram, sim. Mas eles sempre me incentivaram, me motivaram a seguir em frente”. Assim como os dois filhos, um adolescente de 16 anos e uma menina de 8, que por meio da mãe aprenderam a admirar a Polícia Militar. “Eles se sentem super orgulhosos de mim, me veem como um exemplo”.
Ela é modelo, também, para outras mulheres que desejam ingressar na carreira militar. “Já encorajei outras meninas que não se achavam capazes. Quando elas viram que consegui, isso serviu de incentivo. Elas foram atrás e conseguiram também”. Segundo a soldada, a força feminina é uma grande arma no trabalho policial. “Principalmente em ocorrências de violência doméstica. Apesar de sermos todos imparciais, as vítimas se sentem mais protegidas quando veem que é uma policial feminina que as está atendendo”.
Além de crescer na carreira e se tornar sargento, Luise visa, ainda, terminar a graduação em Gestão em Segurança Pública ao fim deste ano. A policial considera a formação essencial na carreira, assim como os atributos que já oferece, justamente, por ser mulher. “Acho que nós unimos coisas importantes para o serviço. Apesar de a gente parecer frágil, somos fortes, unimos a delicadeza e a força”.
Soldada Luise Roberta: “todas as mulheres são capazes de trabalhar em qualquer emprego” – Foto: Carlos Nogueira
MÃO NA MASSA: ANA PAULA PREFERE SERVIÇOS BRAÇAIS
Pelas ruas de Santos, Ana Paula Oliveira dos Santos abre as bocas de lobo e retira os sedimentos na companhia dos colegas de profissão. Muitas vezes, quando está com ‘a mão na massa’, escuta algumas críticas direcionadas aos companheiros por não a estarem “ajudando”. “Eu tento explicar para as pessoas que aquele é o meu momento de trabalhar. Se eu escolhi essa profissão, é porque aguento o serviço”.
Boa parte do condicionamento físico que a auxiliar operacional precisa para arremessar os sedimentos do chão para a caçamba do caminhão vem dos 30 anos de prática no judô. Hoje, aos 41, já coleciona uma série de outros empregos: faxineira, pedreira, pintora e, quem sabe, mecânica. A última é a profissão dos sonhos de Ana Paula. Ela já realizou alguns serviços na área, mas nada muito expressivo. Atualmente, está terminando o curso e pretende, em breve, se dedicar a essa nova profissão.
Por preferir trabalhos braçais, Ana Paula já ouviu uma série de críticas. “Principalmente dos homens, que acham que por ser um trabalho que exige força, eu não poderia desempenhar”. Antigamente, a auxiliar operacional se chateava com os comentários, mas hoje os usa como motivação. “Quanto mais criticam, mais tenho vontade de fazer, mais coloco amor e carinho na minha função”.
Até mesmo em casa, como passatempo, Ana Paula se mantém com a mão na massa. Ela e o marido realizaram o sonho de ter a casa própria e, agora, estão na fase de reforma. A auxiliar prepara a massa, coloca piso, pinta as paredes… faz de tudo um pouco. Os filhos, uma menina de 9 anos e um menino de 16, ficam admirados. O marido, então, é só orgulho. “Quando ele me conheceu, lá na empresa onde trabalho, eu já fazia esse tipo de serviço. Ele diz que esse foi um dos motivos pelos quais ele se apaixonou por mim”.
O trabalho da auxiliar não é leve, mas para ela não há nada que uma mulher não possa fazer. “Se nós temos uma vontade, um sonho, precisamos ir atrás. Todo começo é tentar. Você só vai saber se consegue tentando. Mesmo que pareça impossível. Só assim você vai poder ver se aquilo pode dar certo ou não”, concluiu.
Auxiliar operacional Ana Paula: “se eu escolhi essa profissão, é porque aguento o serviço” – Foto: Raimundo Rosa
NAS ÁGUAS, FERNANDA TREINA PARA GUARDAR VIDAS
No mar ou na piscina, Fernanda Penner dá o melhor de si. Ela, que antes era atleta profissional de natação, hoje usa suas habilidades para salvar vidas nas praias de Santos. O trabalho é pesado, o que exige que ela nunca largue o foco que tinha nos treinos para as competições. “A prática melhora o desempenho. É um trabalho que exige muito da gente, mas que conseguimos exercer se tivermos força de vontade”.
As competições foram o que trouxeram a baiana de 29 anos para Santos há mais de uma década. Depois de abandonar as piscinas, a guarda-vidas ainda trabalhou num laboratório de biologia molecular, fazendo jus à sua graduação. Porém, as águas a chamaram novamente. “Meu noivo atuou um tempo como guarda-vidas e me mostrou esse lado que eu não sabia que existia. Ele me incentivou e nós prestamos o concurso juntos. Ele atua em Praia Grande e eu aqui”.
Fernanda já trabalhou na “areia” e, hoje, faz o trabalho de telegrafia, prestando apoio aos colegas pelo rádio. “Quando eu trabalhava na areia, as pessoas que passavam falavam sobre eu estar carregando peso, tanto dos cadeirões quanto das vítimas de afogamento. Mas eu nunca liguei, porque lugar de mulher é onde ela quiser e é muito gratificante poder mostrar isso. Me orgulho de exercer a minha profissão, que é de prevenir e salvar, mesmo que as pessoas me achem fraca ou frágil”.
A guarda-vidas teve a quem puxar. Os pais dela são professores de natação e sempre incentivaram a carreira da filha. Assim como ela hoje incentiva outras meninas. “Já ouvi de crianças, na praia, que elas nunca tinham visto uma guarda-vidas mulher. É muito legal porque você vê que elas se sentem representadas por você”. A meta de Fernanda é continuar estudando para se tornar sargento, mas sem esquecer da vida pessoal. “Em breve, quero ter um bebê”.
Enquanto o filho ou filha não vem, Fernanda continua atendendo ao telefone, ao rádio, apitando, orientando, salvando e guardando vidas. “Me orgulho muito de fazer parte do corpo da Polícia Militar, de ser bombeira, de ser mulher. Aqui é um lugar de igualdade, onde as pessoas se respeitam, apesar das suas diferenças. Não tem nada mais gratificante do que salvar uma vida, poder dar uma alegria para uma família”, finalizou.
A guarda-vidas Fernanda: “é um trabalho que conseguimos exercer se tivermos força de vontade” – Foto: Raimundo Rosa
GCM de Santos transformou a vida de Thalita
Thalita Almeida Lourenço Ferraz, 36 anos, é Guarda Civil Municipal (GCM) de Santos há 11 anos. Um ofício que executa com dedicação e orgulho. Foi com o trabalho que conseguiu estabilidade financeira para cuidar da filha, hoje com 18 anos. Também foi a função que permitiu que cursasse uma universidade e fizesse pós-graduação em Gestão Pública.
“Eu só tinha o ensino médio quando entrei na Guarda, aos 25 anos. Hoje sou pós-graduada. Então, essa oportunidade e estabilidade vieram a partir daí. A Guarda veio trazer grandes mudanças na minha vida. Mas ainda hoje vejo que a mulher tem muita dificuldade em se estabilizar financeiramente e atuar no mercado de trabalho”.
A profissão entrou na vida dela por um “feliz acaso”, como diz. Thalita nunca havia pensado em se dedicar à área de segurança pública até ser apresentada à função por um tio, que também pertencia à corporação. Thalita fez o concurso e foi chamada para ingressar nos quadros da GCM em 2011. “Quando entrei, havia 50 na minha turma e acho que tinha cinco mulheres, mas somente mais duas continuaram”.
Desde então, já trabalhou no patrulhamento com moto, quadriciclo e em viaturas. Ela conta que aprendeu a dirigir na Guarda porque havia acabado de tirar habilitação. Mas o caminho foi árduo. Nas ruas, muita gente ainda olha de forma diferente para uma mulher com uniforme, conta Thalita.
“Na ocorrência, quando uma guarda feminina vai fazer uma abordagem, você percebe que o respeito não é tanto quanto com um guarda masculino, principalmente em situações que envolvem pessoas com atitude suspeita ou transgredindo alguma regra. Nesses casos, a agressividade é um pouco maior com as mulheres”.
No dia a dia, elas também têm que se impor muito mais que os homens, avalia Thalita. “Já aconteceu de levar cantada na ocorrência. Ele ficou me olhando, me chamou de gata. E já respondi bem séria: não sou sua colega, estou trabalhando. A gente tem que impor mais respeito que os homens. É uma batalha”.
Por isso, o jeito sério só se desfaz quando a conversa flui para temas importantes, mas distantes das ocorrências diárias. Como ao falar de planos, que incluem, talvez, um novo curso universitário, e das realizações colecionadas ao longo dos 11 anos na GCM.
“Na minha última ocorrência, auxiliamos uma pessoa que teve um ataque epilético na água. Foi um início de afogamento. Tiramos ela do mar e ajudamos até a chegada do Samu. Quando você vê a pessoa acordar e que está bem, isso para mim é o retorno. É isso que me dá mais satisfação”.
Neste Dia Internacional da Mulher, Thalita gostaria que elas entendessem o significado da data, resgatassem a história e continuassem a batalhar por um mundo mais igual para todas, sem a necessidade de se falar em profissões de homens ou de mulheres.
“Eu visto essa farda porque teve muita mulher que brigou para eu estar aqui. Hoje a gente está acomodada. A gente não briga. Algumas pessoas acham que está bom. Mas o bom pode ser melhor. Homens são diferentes de mulheres. A gente quer igualdade em outro sentido. Acho que seria interessante falar mais disso”.
A guarda Thalita quer mais igualdade: “A gente tem que impor mais respeito que os homens. É uma batalha” – Foto: Raimundo Rosa
Cida é oficial de manutenção e dá cara nova aos bondes de Santos
O sorriso largo e o brilho no olhar mostram que Cida – ela nasceu Maria Aparecida Alves de Carvalho, 38, mas prefere ser chamada pelo apelido – se encontrou na profissão. Há 12 anos na Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Santos), é a única mulher oficial de manutenção. Ela é pintora automotiva e trabalha dando cara nova aos bondes da Cidade.
Mas a profissão não surgiu do dia para a noite. Ela passou no concurso há 12 anos. Começou como ajudante geral e, desde o início, desbravou terrenos considerados tipicamente masculinos, auxiliando pedreiros. Depois passou a executar manutenção em ponto de ônibus nas ruas. “Quando entrei na manutenção predial só tinha eu. É uma área difícil de ficar. Precisa ter o psicológico bom, porque é visto como muito masculinizado. A gente pintava, lavava. Fiquei muito tempo fazendo isso”.
Mas Cida diz que nunca se incomodou com rótulos. Para ela, trabalhar não é questão de gênero. “Os homens não entendem a questão feminina. Eles subestimam a mulher, no sentido de força. Não vou me equiparar a um homem forte, claro que não. Mas nunca vou deixar de fazer um trabalho porque não tenho força. Tem equipamento, tem carrinho que a gente pode empurrar. Independentemente de gênero, o que importa é a habilidade que tenho para fazer”.
O novo ofício, aprendeu com um colega que não cansa de elogiar. Foi Edmilson Melo que ensinou as técnicas para deixar os tradicionais bondes com cara de novinhos para chamar a atenção dos turistas. “Me indicaram porque viram que eu tinha facilidade com pintura. Ele nunca me viu como uma concorrente ou menos capacitada por ser mulher. Ao contrário, sempre me tratou como igual. Então, fui aprendendo e hoje trabalhamos juntos, mas eu adquiri meu jeito de trabalhar e gosto muito do que faço”, conta Cida.
Questionada sobre o toque feminino em seu trabalho, Cida foi direta. “Não tem nada disso. A gente põe a dedicação. O que tem é o toque do profissional. Não importa o gênero. Quando você diz isso e todo mundo pensa que tem que ser aquela coisa delicadinha. Já passei por tanta coisa na vida, que posso falar, com certeza, que o que importa é o respeito”.
Apesar da disposição, Cida diz que ouviu vários comentários machistas ao longo do caminho, sempre tirando de letra. “Hoje sinto que sou muito respeitada. Tudo o que é pedido para meu colega de trabalho foi pedido para mim. Então, não tem diferença. Se não fosse isso, talvez não estivesse nessa área. Porque é difícil”.
Mas o percurso até aqui valeu a pena, diz Cida com aquele sorrisão que não saiu do rosto durante toda a entrevista. “Você tem que ser forte. Eu sou feliz. Venho trabalhar com muita satisfação. Queria que toda a mulher fosse assim, não somente em áreas consideradas mais masculinizadas”.
Para ela, o Dia Internacional da Mulher ainda precisa ser visto como uma data para se lutar contra o machismo. “Esse dia, pra mim, é muito simbólico, porque não estou totalmente satisfeita. Falta muita coisa para a gente poder comemorar. A mulher ainda enfrenta preconceito. Ouve piadinhas machistas. Tem a sexualização da mulher. A gente vê isso todo dia. Mas eu debato, porque me incomoda e as coisas que me incomodam eu falo. Nem é comigo, mas falo mesmo. Digo que eles não precisam ter essa cabeça, senão as coisas não mudam. Acho que é uma coisa estrutural. Então, vou tentando, porque tem muita coisa para ser melhorada”.
Oficial de manutenção Cida: “Os homens não entendem a questão feminina. Eles subestimam a mulher” – Foto: Raimundo Rosa
Julia decidiu ser barista e desbrava o mundo do café
Além de atuar numa área predominantemente masculina, a barista Julia Cristy, 23, ainda teve de lidar com o fato de ser jovem e trabalhar em uma área na qual experiência e juventude não são vistas como sinônimos. A profissão surgiu na vida dela enquanto atuava como atendente no Museu do Café, em 2017.
Foi o primeiro emprego e selou o futuro dela. Foi acompanhando a jornada dos colegas, a maioria homens, que, até então, estudante que planejava ser artista mudou a rota e decidiu se dedicar ao novo ofício. Julia começou a estudar e não parou mais.
“Queria saber mais sobre o que eu via ali no Museu do Café com meus colegas de trabalho que eram baristas. Achei divertido. Era uma profissão que nunca tinha ouvido falar. Achei sensacional você sair procurando cafés pelo País para comercializar e fazer aqueles drinques bonitos”.
E lá se vão seis anos nessa estrada. Atualmente ela é barista e mestre de torra em uma das maiores tradings de café do mundo. “Eu seleciono quais são os melhores cafés, faço todo um perfil de torra para apresentar para os futuros compradores tanto do mercado interno quanto externo. Sou basicamente a única barista e primeira mulher na função. Em outros lugares onde trabalhei, também acontecia de ser a única mulher onde estava ou no cargo que atuava”.
Questionada sobre preconceito no setor, Julia diz que só se deu conta de estar pisando em um terreno dominado por eles devido a comentários de outras pessoas. “Já senti essa história por conta de comentários de colegas, mas de outras cidades onde já estive. O fato de ser jovem também. Mas isso nunca me afetou. Na verdade, é combustível. Estou muito feliz e as pessoas reconhecem o meu trabalho justamente porque faço o que amo”.
Por tudo isso, Julia acredita que neste Dia Internacional da Mulher, é importante que as pessoas tenham em mente o motivo pelo qual ainda é preciso celebrar a data. “É um lembrete para todo mundo não esquecer que a mulher pode, por exemplo, trabalhar e fazer o que quiser. Não é questão de feminismo, mas de direito”.
Barista e mestre de torra Julia Cristy: “sou basicamente a única barista e primeira mulher na função” – Foto: acervo pessoal