Há 23 anos nascia Esther dos Santos, com pouco mais de um quilo e meio, prematura e com uma mãe, com muitos problemas sociais, que resolveu deixar a criança para a adoção. Essa história poderia ser mais uma das tantas que já escutamos de crianças em situação de vulnerabilidade no Brasil que acabam terminando tragicamente. Mas o caso foi diferente.
Adriana Novelli, a assistente social do hospital e maternidade Silvério Fontes, em Santos, era a responsável por ver os pais proponentes para adoção e descobrir qual seria o melhor caminho para a vida da criança.
Desde o início, a profissional sabia que seria uma adoção difícil, pois crianças prematuras e muito magrinhas costumam assustar os adotantes. “Ela tinha cerca de 1,5kg, era muito pequena. Para tentar fazer com que chamasse a atenção dos propensos adotantes colocamos uma roupinha e manta rosa e deixamos ela relativamente longe das outras crianças, pois a diferença de tamanho era enorme”.
Adriana trabalha desde 1996 na maternidade e afirma que já perdeu as contas de quantas adoções intermediou, de tantas situações complexas presenciou, mas a de Esther marcou a sua vida.
Ao começar a falar sobre o assunto, os olhos claros de Adriana começam a marejar, sendo impossível conter a emoção: “Os pais de Esther amaram ela sem nem ao menos ver a criança. Colocaram ela no colo e nem pediram para que mostrássemos a menina. Só de senti-la nos braços já foi o suficiente para perceberem que era a filha com a qual sonhavam”.
A ADOÇÃO
A história também é lembrada pelos pais de Esther com muita emoção. Vera Lúcia Martins Marinho dos Santos conta que junto com o marido, Marco Antônio Marinho dos Santos, fez a inscrição no Fórum de Santos para adoção de uma criança em 1997. “Sabíamos que poderia levar muito tempo, afinal gostaríamos de adotar um bebê. Foi uma surpresa quando, apenas dois anos depois de nos cadastrarmos, tocou o telefone. Teríamos que estar na maternidade Silvério Fontes, em apenas 15 minutos, mas o Marco estava no trabalho”.
Marco se recorda de como tudo aconteceu. Ele trabalhava na área portuária, a esposa ligou para o restaurante onde ele costuma almoçar. “Lembro como se fosse ontem. Estava trabalhando, veio um colega meu e falou que minha mulher precisava falar comigo urgente. Fui lá, telefonei pra ela e tinha um recado, que nós tínhamos 15 minutos para chegar ao hospital, porque a nossa querida chegou. Me apressei o máximo que pude”.
Ao chegarem ao hospital, eles já foram recebidos pela assistente social Adriana. “Fomos tratados com muito carinho. Na hora que ela nos apresentou a bebê, mal cabia nas duas palmas da minha mão. Mas com muita alegria, peguei, abracei e disse: é minha filha”, disse Vera.
Para ela, o amor que sentiu naquele dia é incomparável com qualquer experiência já vivida: “Senti uma luz tão forte, tão linda, que logo falei: minha filha, meu raio de sol e até hoje ela é meu grande amor”.
Os laços entre Adriana e Vera se tornaram ainda mais fortes nos vinte dias seguintes. Acontece que ao fazer a adoção, aos 51 anos, ela quis saber tudo sobre cuidar da filha, até mesmo por ser tão frágil e delicada. Para resolver a questão, até a alta da criança, a nova mamãe passava diariamente na maternidade e aprendia de tudo, como alimentar, pegar e até mesmo como dar banho na filha. “Fiquei junto da Adriana e consegui aprender muito. Ela chegou em casa e demorou ainda três meses para ter 3 quilos e poder tomar as vacinas”.
O REENCONTRO
Existe um provérbio árabe muito famoso que diz que as “coincidências são pequenos milagres onde Deus prefere não aparecer”. Como moramos numa ilha, as coincidências são comuns a quase todos nós. Agora, quando elas existem justamente nos momentos que mudaram nossa vida, podemos dizer que são pequenos milagres.
Vinte e três anos depois da adoção, o destino colocou Adriana e Esther no mesmo hospital, agora como colegas de trabalho na área da saúde. Esther está no último ano da faculdade de enfermagem e começou a fazer o estágio no mesmo hospital da assistente social, ou seja, no Hospital e Maternidade Silvério Fontes.
A jovem Esther Lúcia Martins Marinho dos Santos, hoje com 23 anos, optou pela profissão por cuidar de um tio que tinha Esclerose Múltipla. “Cuidando de uma pessoa que precisava de assistência e fazendo de tudo para que ela se sentisse bem, percebi que essa era a área que eu deveria trabalhar”.
Mas Esther jamais imaginou que no seu primeiro estágio seria colocada tão perto da mulher, que justamente por cuidar e se preocupar com o bem-estar dela, mudou completamente o seu destino.
“Uma baita coincidência né? Trabalho em outro setor, mas toda vez que eu a encontro é uma emoção diferente. Foi a mulher que mudou a minha vida. Sou eternamente grata pelo que fez por mim”, ressalta a estudante.
Adriana não esconde a satisfação por ter ao lado a criança que lhe preocupou tanto ao nascer. “Ao ver uma menina feliz como ela, realizando os sonhos e estudando, me sinto com o dever cumprido. É uma sensação única”.