Uma história de resiliência e dedicação à família. Seu Tokumi Maeshiro nasceu na ilha de Okinawa, no Japão, em 1937. Sua infância foi marcada pela Segunda Guerra Mundial e pelas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. Não chegou a conhecer seu pai, que faleceu quando ele era pequeno, e começou a trabalhar na roça muito jovem para ajudar sua mãe e seus três irmãos. Por conta disso, seu Tokumi carrega marcas e cicatrizes nas mãos e no pescoço. Apesar de ter sido um bom aluno e ter recebido vários prêmios como atleta, não teve condições financeiras de manter os estudos.
Em 1960, a família embarcou em um navio rumo ao Brasil na intenção de ter uma vida melhor e adotou a Baixada Santista como seu segundo lar. Mesmo com a dificuldade do novo idioma, seu Tokumi trabalhou como verdureiro, pasteleiro e vendedor de óleo. Após alguns anos de muito trabalho, a família conseguiu abrir uma bomboniere e uma quitanda na Rua Martim Afonso, em São Vicente.
Foi neste momento de prosperidade que seu Tokumi encontrou sua parceira de vida, Katsuko. Eles se conheceram na colônia japonesa da Baixada Santista e casaram em 1972. Deste amor nasceram Fábio, Tatiana e Ricardo.
Depois do nascimento do caçula, mais uma tribulação apareceu na vida do casal. Após confiar suas finanças a um contador, que não pagou os impostos corretamente, os estabelecimentos tiveram que ser fechados por conta de dívidas. Seu Tokumi e dona Katsuko tiveram que se mudar para uma quitinete com os três filhos pequenos, sem renda e sem suporte familiar.
Em meio ao caos, ele se lembrou de um primo que migrou para Los Angeles, nos Estados Unidos. Com as últimas economias da família, seu Tokumi comprou uma passagem só de ida e partiu para o país, com a intenção de enviar dinheiro para a família, assim que conseguisse um emprego. Ricardo Maeshiro, o filho mais novo, conta que, recentemente, o pai desabafou com ele sobre esse momento. “Ele me disse que durante o voo pensava que se o avião caísse, ao menos a família receberia o seguro de vida”.
Essa viagem tem um detalhe: seu Tokumi não tinha o contato do primo, nem o endereço, e sequer sabia falar outro idioma além do japonês. Porém, um ‘anjo’ cruzou o seu caminho assim que desembarcou no aeroporto. Ele encontrou uma agência de viagens cujo dono era nipo descendente e, pelo sobrenome da família, descobriu que seu primo também era do ramo turístico e conseguiu avisá-lo sobre a sua chegada ao país.
Novos desafios surgiram na vida do jovem pai de família. Ele trabalhou nos Estados Unidos, vendeu roupas de porta em porta em Porto Rico, até retornar para o Japão, onde trabalhou em fábricas de peças automotivas. Durante este período, seu Tokumi encontrava com a esposa e os filhos apenas a cada dois anos ou mais. Ricardo conta que, mesmo com a distância, o pai nunca abriu mão de garantir a educação dos filhos. “Ele sempre nos cobrava para ter boas notas, bons resultados na natação. E quando eu digo ‘cobrava’, era cobrava mesmo. Tínhamos que ter as melhores notas, os melhores desempenhos. Hoje entendo que ele não queria que nós passássemos por tudo que ele passou. Ele achava que educação era a garantia pra que isso não se repetisse. Nossa infância foi ter a cara nos estudos, todos os dias”, lembra.
Após anos de economia, seu Tokumi retornou ao Brasil e comprou dois imóveis. Porém, os investimentos mais uma vez não saíram conforme o planejado e, após alguns anos, a família precisou vendê-los. Em meio a mais essa dificuldade, o casal resolveu deixar os filhos e voltar ao Japão em busca de emprego. “Em todas as famílias japonesas que precisaram ir ao Japão, os filhos sempre foram juntos. Mas meu pai queria que a gente fizesse faculdade para não passar por dificuldades também”, conta Ricardo.
Seu Tokumi chegou a trabalhar 18 horas por dia e, devido ao ritmo acelerado, infartou três vezes.
Ao voltar, mais uma vez, para o segundo lar da família, os filhos garantiram que o dinheiro poupado fosse para comprar um apartamento para que o casal pudesse desfrutar a aposentadoria.
A aposentadoria não foi sinônimo de sossego para seu Tokumi, que não gosta de ficar parado. Ele pegou gosto pela corrida e praticava duas vezes ao dia, todos os dias, correndo da Biquinha até o canal 5, em Santos. Após lesionar o joelho, teve que abandonar o esporte. “Ele começou a ficar deprimido. Praticamente todos os amigos dele já faleceram. Hoje, acho que ele é o mais velho da antiga colônia”, conta o filho.
Acostumado com os altos e baixos da vida, seu Tokumi não se deixou abalar e encontrou uma nova paixão para seguir em frente: a jardinagem. Foram mais de 50 mudas de Ipê, sem contar as outras árvores que ele plantou. “Minha mãe ficou doida. A sala ficou cheia de mudas no chão, talheres viraram pás e ferramentas de terra. Como ele só usa hashi, não se importou em usar colheres e garfos para plantar. A última é que ele resolveu fazer compostagem caseira com casca de banana”, explica Ricardo.
Todos os dias, o persistente jardineiro sai de casa, puxando um carrinho com terra fértil e suas ferramentas para cuidar das plantas. Constrói cercas em volta das mudas e as rega, garantindo que cresçam. Apesar de todo o cuidado e zelo, ele lamenta que algumas pessoas arranquem e destruam as plantas. “Meu pai é bem resiliente e isso tem muito a ver com a sua origem e sua história. Se Deus der saúde, ele continuará cuidando das plantas, mesmo que ele tenha que recomeçar do zero, como já fez muitas outras vezes na sua vida”.