Um lugar europeu no Centro de São Vicente chama atenção de quem passa pela Rua João Ramalho. Construído há mais de 80 anos, o Jardim Aralinda, condomínio com ares ingleses, e o Castelinho, prédio com mesma característica, reúnem tradição e histórias.
No ano de 1930, o proprietário do terreno, Umberto Gagliasso apresentou para a Prefeitura de São Vicente projeto para construção de 36 casas. O estilo das edificações foi desenhado pelo arquiteto inglês Ernesto Behrendt, que se inspirou nas residências de seu país para elaboração das plantas. O nome da vila é uma homenagem à sogra do dono daquela área, a inglesa, Aralinda Forshire.
Com tijolinhos aparentes na fachada, lampiões nas portas, sem muros ou garagens, as casas contam com dois a três pavimentos. Os imóveis foram adquiridos inicialmente por famílias paulistas que desciam a Serra do Mar para aproveitar as férias no litoral. Entretanto, os moradores contam que o condomínio foi construído com o propósito de abrigar os ingleses que vieram morar na região para trabalhar na construção da ferrovia.
“Compramos a casa de duas inglesas, elas eram as únicas moradoras estrangeiras que ainda moravam aqui. Elas nos contaram que antigamente na vila viviam os ingleses que vieram para a região trabalhar na construção da ferrovia”, conta a corretora imobiliária, Maria Rosa Gomes Pacheco, de 69 anos.
A tranquilidade e o estilo europeu das casas atraíram a portuguesa que se mudou para o Jardim Aralinda em 1993. “Morávamos no Parque Bitaru, e sempre que eu passava na rua ficava admirada pelas casas. Aqui era um lugar muito tranquilo e seguro para as crianças crescerem”, afirma.
Comparada a planta original, datada de 1930, a casa de Rosa preservou grande parte da estrutura, mas são os elementos em madeira que ainda guardam a história do local. A grande escada em caracol, portas e janelas foram conservadas pela proprietária.
Portas fechadas – No ano de 1994, os moradores se reuniram e optaram por fechar a vila por motivos de segurança. “Os portões viviam sempre abertos aqui na rua e as pessoas passavam na frente das casas, mas por causa dos assaltos a gente resolveu fechar a vila”, explica a moradora Josefa de Almeida Amânsio, de 84 anos. Ela se mudou para o Jardim Aralinda há mais de 50 anos acompanhada dos seis filhos, devido à saúde do esposo que sofria com bronquite e precisava se mudar para o Litoral.
As mudanças não se deram apenas no quesito segurança, Rosa afirma que o relacionamento entre vizinhos mudou ao longo do tempo. “Sinto falta de como era o Jardim antes. Nos últimos 25 anos muita coisa mudou. Os vizinhos se reuniam para comemorar datas como festa junina e natal, onde cada um levava seu prato. Hoje em dia todos são mais reservados”. Apesar disso, ela afirma que o local é refúgio de sossego no meio do Centro. “Ainda acordo com os passarinhos cantando”, diz.
O natal também traz boas recordações para Tânia Simões, de 56 anos, que vive no Aralinda há 22 anos. “A dona Maria era uma das fundadoras da vila e na época de natal adorava enfeitar a casa. Os vizinhos ficavam sentados na calçada testando todas as luzinhas dos pisca piscas para enfeitar a casa. Ela envolvia até as crianças, mesmo brigando com elas durante o ano”.
Parecida com a vila do seriado mexicano Chaves, as brincadeiras entre as crianças na rua e entre os jardins do condomínio também marcaram a história do Aralinda. “A criançada brincava com buggys e ficava dirigindo em círculos por aqui. Outra coisa que faziam era vir todos brincar aqui em casa e quando escurecia as mães passavam recolhendo as crianças”, conta Rosa. Ainda hoje, os filhos dos moradores se reúnem no período de férias para brincarem juntos.
Mitos – A sazonalidade deu à vila inglesa lendas e mitos sobre a presença de espíritos mal-assombrados no local. A crença era motivada entre os moradores da Cidade porque as casas ficavam sob cuidados de caseiros que conservavam e limpavam as residências.
Também ligada às histórias, “A lenda do Jardim Aralinda”, conta que um grupo de crianças entrou no sótão de uma das casas do condomínio e acabou ficando preso já que a porta só possuía maçaneta no lado de fora. Após algumas horas, a porta foi destrancada sozinha, assuntando-os.
Castelinho – Ao lado do condomínio, outra edificação também chama atenção de quem passa pelo cruzamento da Rua João Ramalho com a Cândido Rodrigues. Na esquina, o Edifício Castelinho se mantém conservado mesmo depois de 72 anos.
Na fachada, as únicas modificações feitas foram a pintura e a construção de muros para segurança dos moradores. O síndico do prédio, Sérgio Pereira, conta a ligação do edifício com a vila vizinha. “Contam que o prédio também foi feito para abrigar os ingleses que vieram trabalhar nas ferrovias da região. Além disso, o projeto do prédio foi elaborado por Umberto Gagliasso”.
A edificação conta com uma chaminé feita para aquecer todas as dependências do prédio. Além disso, portas, janelas e ornamentos conservam a aparência original.
Uma das curiosidades do local são os boatos de moradores ilustres que moraram lá e a presença de galerias subterrâneas que passariam debaixo da construção. “O ex-prefeito de São Paulo Miguel Colasuonno viveu no Edifício na década de 60. Outra lenda do Castelinho é que o ex-presidente Campos Salles residiu no prédio durante um período”, afirma Pereira.